A individualidade humana, ainda hoje, é mal definida. Por isso mesmo é mascarada por diversos artifícios que lhe atribuem um caráter real, mas que não passam de artimanhas enganosas, verdadeiras armadilhas, onde, desatentos, os indivíduos se iludem de uma sensação de serem vistos ou tratados como únicos.
As novas tecnologias da informação criptografam dados pessoais, reconhecem seqüências alfa-numéricas, criam passaportes eletrônicos para a navegação numa rede onde nada é concretamente sensível. É tudo fantasiado ou fantasmagórico, porém, fantástico!
É o que nomeamos como SENHA. E elas parecem mesmo conferir às pessoas um caráter individual, afinal, assemelham-se a um inconfessável segredo, jamais revelado nem mesmo em sonho. No entanto, são entregues a máquinas operadas por outras pessoas que sequer podemos imaginar quem sejam, o que pensam ou o que querem. Estabelece-se aí, então, um pacto silencioso e implícito de confiança naqueles e naquilo que, de verdade, não vemos. Com a senha acessamos o mundo virtual. E neste, munidos de uma identidade falsa, podemos até nos reinventar.
O mais curioso é que no mundo virtual a democracia é para todos, diferentemente do que observamos no mundo real. Até mesmo as crianças têm seus segredos digitais que lhes permitem, em “sites” de relacionamento ou programas de conversação eletrônica, criarem personas fictícias, com fotos e nomes, dotados de atributos que gostariam de ter. É mesmo a possibilidade de realização de um sonho! Muitas vezes, os pais nem ficam sabendo, pois a senha é pessoal. Já está plantado na cabeça da criança um senso distorcido de individualidade.
No mundo virtual, dizemos aos outros o que não ousaríamos ao telefone, declaramos sentimentos que jamais admitiríamos presencialmente, mas feitos assim parecem nos colocar em proximidade com o outro. E o sonho? Já imaginou se tivéssemos que ter uma senha para sonhar?
Crescemos e vivemos com a idéia obscura de que o sonho está no campo do inatingível ou, ao menos, algo pouco provável de acontecer. Que mistério humano é esse, tão explorado e pesquisado pela psicologia, mas, até hoje tecnologicamente insondável e não completamente decifrado pela razão?
SO-NHO quer dizer SOU EU. Talvez por isso ele nos arrebata de chofre, sem senha ou permissão para se revelar . . . Afinal, é nosso mesmo! A SE_NHA – SÊ EU ou SEJA EU – traz a possibilidade de SER o que não SOU e fazer acontecer virtualmente um sonho racionalmente criado.
É o que acontece no “Second Life”, por exemplo, que começa a virar mania social. A chance de ter uma “vida” virtual, onde “somos” como queremos “ser”, “possuímos” o que desejamos “ter”, “trabalhamos” numa profissão que pensamos a mais interessante, “moramos” na casa dos sonhos, “namoramos” uma “pessoa” que também “tem” uma “vida” plena de realizações; por isso, tudo só pode “dar certo”, ainda que nunca nos vejamos.
Parece que o sonho vai mesmo se tornar dependente da senha. Será?
Será que seremos virtualmente felizes?
A fantasia faz parte da vida. Na infância é fundamental. Na vida adulta temos de zelar para que não se torne uma psicose!
Elaboração :
Mauricio de Sá Malfate
Instituto bioaxis